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O grande poder dos pequenos produtores

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Alimentos artesanais, sazonais e com identidade local ganham força e representatividade nacional nas mãos de pessoas com senso de propósito e amor pelo que fazem

Peça que levante a mão quem nunca ouviu falar sobre pequenos produtores de alimentos e dificilmente você verá uma erguida. Eles se tornaram uma categoria forte na fase atual da gastronomia graças ao crescimento do locavorismo. Este movimento, que começou nos Estados Unidos e se espalhou mundo afora nos últimos anos, defende o consumo de itens produzidos localmente de maneira artesanal, muitos sazonais. A ideia é privilegiar o sabor da sua região e resgatar a qualidade e o sentimento do que é feito manualmente.

A atenção que têm se dado à relação da comida com a saúde também influenciou esta onda. Muita gente está priorizando produtos naturais, deixando de comer apenas o que é beneficiado em escala industrial e com muitas interferências químicas artificiais. Mario Whately, agrônomo e um dos nomes à frente da Vateli Pupunha, viu neste contexto uma oportunidade de reinventar os negócios da família. “Nós cultivamos o palmito na fazenda e antes apenas vendíamos para fábricas de conserva. Mas ‘saímos da porteira’ ao levar direto até o consumidor final o palmito in natura, um item com valor agregado e que tem a ver com a alimentação que a gente acredita e faz em casa”. A Vateli surgiu no início de 2017 oferecendo itens como massas, tolete e a barca da pupunha em seu estado natural. Quem prova descobre que o palmito natural é adocicado, suave e muito mais agradável ao paladar.

Spaghetti de pupunha da Vateli com diferentes molhos para experimentação. Foto: Victor Neco

Da mesma forma que a Vateli, muitas empresas locais nascem da intenção de fazer algo que tenha a identidade de seu núcleo criador, e da vontade de seus fundadores de reorganizar o mundo à sua volta de alguma maneira. Esta é uma das características que chamaram a atenção de Bo Burlinghan, autor do livro Pequenos gigantes: as armadilhas do mundo empresarial (por quem soube escapar delas). A obra desnuda esta “força emergente no mundo dos negócios” e deixa bem claro que não se trata só de tamanho. “Todas se revelam determinadas a serem as melhores naquilo que fazem. Elas optaram por seguir metas consideradas mais importantes do que ‘ser a maior possível’ ou ‘crescer o mais rápido possível’”.

Swan Yuki Hamasaki, neto de Umi Shimada, a vovó do Obaatian – O Chá da Vovó, afirma que o que move a marca é o desejo de fomentar a cultura do chá no Brasil. “A gente quer que as pessoas tomem mais chá, descubram que ele é gostoso e que não é só remédio.” Dona Umi se tornou conhecida ao produzir em Registro (SP) um chá preto orgânico e colhido manualmente. A infusão da erva resulta numa bebida refrescante, suave, sem aquele amargor nem aquela sensação de boca seca sentidos ao tomar um chá preto industrial. Seus filhos e netos a ajudavam de maneira voluntária, mas viram ali uma oportunidade de negócio. Eles criaram a marca em 2015 e de lá pra cá a produção passou de 20 para 40 quilos de chá por mês. Antes, a maioria dos clientes não conhecia nem o produto nem a marca; hoje a maioria de quem chega ao balcão da Obaatian já o provou ou pelo menos ouviu falar deste nome. E muitos clientes que compravam o pacote pequeno voltam para renovar o estoque com o maior. “Isto é uma vitória pra nós, é o grande sinal de que estamos no caminho certo”.

Chás da Obaatian. Foto: Victor Neco

PRODUTOS COM HISTÓRIA
Não é unanimidade, mas assim como o chá Obaatian e a pupunha da Vateli, muitos produtos artesanais têm uma história de família. Egon Jais é fotógrafo publicitário, mas nunca deixou de lado a tradição de cinco gerações da família de atuar com alimentos artesanais. “O picles, o chucrute, o joelho de porco sempre foram feitos em casa, e eu fazia defumados e conservas como hobby, para os amigos.” A ideia de transformar o talento em negócio veio da esposa, Karina, para viabilizar que o casal alcance outro modo de viver. A Jais Hand Made surge, então, no primeiro semestre de 2017. “A gente não tem uma marca, a gente tem um projeto. Nós queremos ter um estilo de vida diferente desta loucura da capital. A gente tem que ter do que viver e buscamos uma coisa com a qual a gente tem prazer. Os produtos existem para gerar o que a gente quer como vida”, afirma Egon.

Egon e Karina Jais estão à frente da Jais Hand Made

Outro traço forte destes produtores é o amor por aquilo que fazem. “A gente investe numa grande mudança de vida e tem muito prazer envolvido nisto. A gente vai a feiras em que pessoas que estão no marcado há muito mais tempo que nós trocam conhecimento conosco num clima saudável. Recebemos feedback direto de quem compra; um cara me disse que o melhor produto que ele experimentou numa feira foi o meu. Pra quem desenvolveu as receitas, fez tudo do zero e não tem nem um ano de empresa, isto é muito bom.”, diz Egon.

Este prazer serve com grande estímulo para pequenos produtores que usam o negócio como alavanca para mudar de vida – uma circunstância muito comum para o surgimento destas marcas. Paulo Henrique Zocchio trabalha na área de TI de uma multinacional francesa e sempre gostou de cozinhar. Começou a fazer massas e molhos artesanais em casa e viu que os produtos tinham cada vez mais alcance graças ao boca-a-boca dos amigos. Decidiu, então, lançar a Casa di Zocchio em 2016. O negócio ainda não consegue prover o sustento dele e da família, por isto ele ainda mantém o emprego tradicional enquanto promove o desenvolvimento da marca. A rotina é extenuante, mas, segundo ele, recompensadora. “Quando você ama é possível conciliar. Eu chego em casa cansado, estressado, mas encosto na farinha e no ovo e isto passa. É trabalhoso, o cansaço físico pesa, mas a cabeça está aliviada”.

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